Sinais contraditórios


A Argentina - minha selecção estrangeira predilecta desde sempre - entrou a ganhar no Mundial 2010 com uma vitória por 1-0 sobre a sempre perigosa Nigéria. Depois desta estreia, infelizmente não tenho confiança suficiente para afirmar que estamos perante um candidato ao nível do Brasil e sobretudo da Espanha, mas é muito perigoso subestimar a qualidade e a incrível garra da selecção albiceleste.

Ora falar desta equipa é falar, antes de mais, do seu treinador Maradona. Diego vestiu o seu melhor fato (nunca o tinha visto assim, diga-se) e deu show no banco durante todo o jogo, vibrando e sofrendo pelos seus pupilos (ele que, aos 49 anos, nos continua a deliciar com a sua arte). É, qualidades e/ou defeitos como treinador à parte, inegavelmente um espectáculo dentro do espectáculo neste Mundial, até à data algo monótono. O problema reside no facto de ele ocupar, neste momento e antes de tudo o mais, o cargo de técnico, algo que parece não ter ainda percebido completamente.

Nesta partida, D10S cumpriu o prometido e, como diria Quinito, tratou de encontrar uma táctica que lhe permitisse meter quase toda a carne - que, como toda a carne argentina, é naturalmente de qualidade - no assador. É verdade que noutros Campeonatos do Mundo outros seleccionadores argentinos, como Daniel Passarella em 1998, jogaram em 3-4-3 ou 3-5-2, mas a questão é que esse sistema necessita de jogadores adequados, nomeadamente para as posições de alas. E jogar com Gutierrez e Di María naquelas posições pode converter-se num verdadeiro suicídio, por mais que por vezes a defender se converta numa defesa a quatro tradicional.

Angelito passou, para grande desilusão minha, completamente ao lado do jogo, mas sinceramente acho que foi mais vítima do que réu, até porque nos jogos que a Argentina fizera nos últimos meses, a jogar em 4-4-2, o extremo do Benfica esteve sempre a muito bom nível. E, descontando algum facciosismo que a minha visão possa conter, parece-me que foi completamente ostracizado pelos colegas que raramente lhe passaram a bola (e o jogo foi sempre muito centralizado no Messi). Jogar naquela posição não é claramente para ele, o qual não tem, teve ou alguma vez terá o chip defensivo que alguém a fazer todo o corredor terá que possuir também. Apesar de tudo, em termos defensivos acabou por beneficiar do facto de o central do lado esquerdo ser Gabriel Heinze, que fecha e protege bastante melhor - até porque tem rotinas de lateral esquerdo - que Demichelis do lado contrário. Na direita, precisamente, Gutierrez foi constantemente surpreendido com bolas nas costas e as melhores jogadas das Super Águias surgiram pelo seu flanco. Mas apesar de eu não apreciar o jogador do Newcastle ele é, também, o menor dos culpados. Não se percebe como por exemplo Maradona abdicou de convocar Zanetti, que tão bem faria aquela posição.

Como disse o Luís Freitas Lobo na transmissão televisiva, a equipa dá a impressão de poder desmoronar-se a qualquer momento por causa das fragilidades defensivas. Para além das debilidades apontadas nas alas, os três centrais são também muito bons a jogar em bloco baixo, sobretudo por causa do fortíssimo jogo aéreo que apresentam, mas com esta táctica tornam-se muito vulneráveis a ataques rápidos. Se é certo que seria injusto, parece-me, a Argentina não ter ganho esta partida, a verdade é que isso podia muito bem ter acontecido, não fora o desacerto nigeriano a concluir alguns contra-ataques.


Porém, há depois...o meio-campo para a frente. E nisso poucas selecções poderão rivalizar com os argentinos. Gostei muito, na primeira parte, da forma como Mascherano e Verón combinaram; o médio do Liverpool, depois de uma má época, voltou ao seu nível e ditou o rumo do jogo na maior parte do tempo, enquanto a Brujita continua, aos 35 anos, sem saber jogar mal. Não só esteve activo defensivamente como procurou organizar as operações e sobretudo criar boas situações para Messi poder desequilibrar depois. O problema é mesmo a idade, e na segunda parte Verón caiu bastante, disso se ressentindo o jogo da Argentina - muito menos dominadora na etapa complementar.


Depois na frente, Messi e Tevez (o ídolo do povo, nas palavras de Maradona) estiveram bem, com o génio do Barça, em particular, a assinar um dos melhores jogos que o vi fazer pelo seu país. Assumiu sempre (por vezes um pouco em demasia) a responsabilidade e criou boas situações que, num dia menos inspirado do guardião nigeriano, teriam resultado em pelo menos um golo. Já Higuaín repetiu os falhanços quase escandalosos que acumulou esta época no Real Madrid. É um craque, jogador muito completo, mas tem que melhorar nesse aspecto; Maradona foi ao desespero várias vezes com as perdidas do Pipita e não sei até que ponto Milito não o renderá no onze mais tarde ou mais cedo, até porque se alguém anda com pé quente é ele. E ainda faltam Aguero ou Palermo...de facto um regalo.

Segue-se a Coreia do Sul num encontro que pode ser muito complicado em virtude das características dos coreanos, bastante rápidos e que para mais já têm o conforto de haverem ganho a primeira partida, podendo portanto jogar mais em contra-ataque. Pela minha parte, espero nova vitória argentina e, se possível, com melhor jogo do Di. A não perder já na quinta-feira.

5 Passes de rotura:

Unknown 15 de junho de 2010 às 19:03  

Veloso,
Excelente análise!Do ponto de vista táctico nada a assinalar.
Esta Argentina é de facto , a imagem do seu treinador, uma loucura no real sentido da palavra.
Neste jogo, tanto podia ter perdido como ganho 4-0. Se bem que como referiste, era injusto a derrota.

Gostei de ver, se encarrilarem podem fazer muitos estragos!

João S. Barreto 15 de junho de 2010 às 23:17  

Veloso concordo plenamente com a mensagem principal do texto. Ao contrário de grande parte da imprensa, não achei a exibição da Argentina totalmente conseguida. Deu sempre a impressão que não estavam muito seguros lá atrás, principalmente na segunda parte quando começaram a faltar as pernas a Veron e com Jonas amarelado.

Em termos tácticos, na minha maneira de ver a Argentina acabou por não jogar com 3 centrais. Para mim Heinze foi claramente um lateral esquerdo e Jonas fez o mesmo à direita, simplesmente pela sua génese como jogador desempenhou funções mais ofensivas. O problema do Di Maria (e do Tevez) foi Messi. Muitas vezes o pulga saía do flanco de angelito com a bola controlada e não a passava a ninguém. Por isso também não achei que a exibição do Messi fosse muito conseguida, pareceu-me excessivamente individualista. É claro que é um génio e por isso consegue sempre desequilibrar, mas em termos colectivos acabou por secar os restantes elementos do ataque argentino (à excepção de Higuain que se secou a si próprio).

Maradona parece que vai mesmo ser a grande figura deste Mundial e se a sua equipa afinar alguns detalhes, pode mesmo ser uma verdadeira candidata ao título.

Alfredo Barbosa 16 de junho de 2010 às 00:55  

Espero bem que alguém tenha o registo fotográfico do ex-seleccionador António Oliveira no 'Prós e Contras' da última segunda...

Pedro Veloso 16 de junho de 2010 às 10:26  

Lol também estou morto por ver isso Alfredo, não vi mas parece que está surreal...

Tomás Pipa 18 de junho de 2010 às 20:12  

A Argentina está bem, mas para mim só fez o que lhe competia até agora (coisa que Inglaterra,Alemanha,Portugal,França,Itália e Espanha não fizeram.

Veloso, tens mesmo que ver o cabélius do António Oliveira no Prós e Contras!Inacreditável!