Recordando...Neno

O Júlio Iglésias português - assim conhecido por, tal como o cantor espanhol, ter sido guarda-redes antes de se aventurar no mundo da música - nasceu em Cabo Verde em Janeiro de 1962, ainda a tempo de assistir do berço à 2ª Taça dos Campeões Europeus do Benfica, clube que viria a defender anos mais tarde.

A sua vida em África foi, no entanto, curta. Adelino Augusto Graça Barbosa Barros (mais conhecido no mundo do futebol por Neno) rapidamente emigrou para a "metrópole" com a família, fixando-se no Barreiro, viveiro de grandes futebolistas da nossa história como José Augusto e o grande Manuel Galrinho Bento. Tal como estes, Neno acabou por ingressar no Barreirense (aos 16 anos), depois de iniciar a sua formação num parente mais pobre do concelho, o Santo Antoniense. Ficou no Barreirense seis épocas, impondo-se na equipa sénior e despertando o interesse do Benfica, no defeso de 1984.

Calhara a sorte grande ao simpático guarda-redes, que no entanto teria ainda que penar algum tempo antes de jogar no Glorioso. À data, o Benfica contava nas suas fileiras com o indiscutível Bento, sendo seu suplente Delgado (o José Manuel Delgado que hoje é subdirector de A Bola) e ainda Silvino que regressava à Luz depois de um período de empréstimo em Guimarães. E foi mesmo o berço da nação a acolher o jovem cabo-verdiano. Inicialmente destinado a ser apenas 2ª escolha, atrás do veterano Jesus, a verdade é que passadas pouco jornadas o belga Raymond Goethals lhe entregou a titularidade da baliza vitoriana. E aí estava o cantor romântico lançado para a carreira. O controverso Goethals ainda hoje conta aos netos que se orgulha de "ter feito" Neno.

Com esta excelente 1ª época, o guardião ganhou passaporte de regresso à casa-mãe, onde no entanto, com o inglês John Mortimore ao leme do SLB, apenas actuou um jogo em cada época: em 85/86 o titular era Bento, e depois da gravíssima lesão deste no México'86, foi Silvino a ganhar o lugar na época seguinte. Mas Neno nunca perdeu o sorriso que o caracterizava e continuou a acreditar no sucesso. Voltou ao "exílio", primeiro em Setúbal onde o ex-keeper húngaro do Sporting, Meszaros, não lhe deu chances, e em seguida a um sítio onde fora feliz: o Guimarães de Pimenta Machado. Assinou aí duas épocas de grande nível, sendo em 88/89 o jogador mais pontuado do campeonato nacional para A Bola, jogando o seu primeiro encontro nas competições europeias e conseguindo a 1ª internacionalização. Um amigável em que levámos 4 do Brasil no Maracanã. Além disso, Neno criou uma relação fantástica, que até hoje perdura, com a exigente massa adepta do Vitória.

Neno atingira então, como se costuma dizer, o pico de maturidade: com 28 anos e valor acima da média, estava finalmente pronto a convencer Sven-Goran Eriksson e enfrentar o Terceiro Anel. Depois de, em 90/91, alternar a titularidade com Silvino, na época seguinte não deu hipóteses, jogando por exemplo na mítica vitória encarnada em Highbury frente ao Arsenal na 1ª edição da Champions. Sempre com aquele lendário patrocínio da FNAC.


Em 92/93, altos e baixos durante uma época em que o Benfica teve provavelmente o melhor plantel dos últimos 20 anos em Portugal.Nem sempre jogou, mas alinhou em dois jogos que ficaram para a história: a vitória no Bessa para o campeonato, com Neno a ser expulso e o seu lugar a ser ocupado na baliza por....Paulo Sousa, e no final da época a conquista da Taça de Portugal, perante o mesmo Boavista, no dia em que Paulo Futre fez a melhor exibição ao serviço do Benfica.


Tal conquista foi o trampolim, mesmo tendo por meio o Verão Quente de 1993 (saídas de P.Sousa, Pacheco e quase de JVP), para a excelente época de 93/94 a título individual e colectivo. Jogou 33 dos 34 jogos do Nacional, foi campeão e chegou às meias-finais da Taça das Taças. Para o ano chegaria, no entanto, o monstro Michel Preud'Homme (a única coisa de bom que Artur Jorge trouxe) e Neno foi relegado para o banco, saindo então no final da época para o seu querido Guimarães (apesar do convite do SCP) juntamente com Vítor Paneira.

Era um Vitória fortíssimo, onde também já estava José Carlos (o ex-Benfica de que falámos aqui no outro dia a propósito de Stoitchkov), Zahovic, Capucho, entre outros. Curiosamente Neno, depois de ser titular muito tempo, enterrou à grande (algo de que o acusavam frequentemente, era irregular) num jogo contra o SLB e perdeu o lugar para o actual líder do balneário portista, Nuno Espírito Santo. Acabava o sonho de ir ao Euro'96 com as cores lusas, tendo Oliveira convocado Baía, Alfredo cabeludo e Rui Correia.


Jogaria ainda mais três épocas no VSC, as últimas duas já com pouca utilização (Pedro Espinha ganhou a titularidade). Foi então integrado na estrutura directiva do Vitória, onde as suas capacidades comunicativas certamente o ajudaram. Já foi Director Desportivo, Secretário Técnico, Relações Públicas, Director para o Marketing, mas também treinador de guarda-redes.

Neno era um excelente guarda-redes, muito elástico e felino, mas a verdade é que uma certa imagem de inconstância (nomeadamente nas saídas dos postes e por causa dos frangos que de vez em quando dava) nunca lhe permitiu chegar àquela galeria de guarda-redes indiscutíveis. Construiu no entanto uma óptima carreira.

Carreira e Jogos (ver aqui com mais detalhe):

1981 - 1984 Barreirense - sem dados
1984 - 1985 Guimarães 20 (0)
1985 - 1987 Benfica 2 (0)
1987 - 1988 Setúbal 6 (0)
1988 - 1990 Guimarães 58 (0)
1990 - 1995 Benfica 98 (0)
1995 - 1999 Guimarães 57 (0)

Foi 9 vezes internacional, mas convocado muitas mais.

Como pessoa, era (é) do melhor que havia. Sempre bem-disposto, trato fácil, grande fair-play. E é, de facto, apaixonado pela música, tendo lançado um disco de originais onde o vídeo-clip da música principal era gravado com a camisola do Guimarães. A popularidade dele é tal que surgiram, à imagem da Igreja Maradoniana, os Devotos do Neno. É ver para crer.


8 Passes de rotura:

paulinho cascavel 2 de maio de 2010 às 16:21  

o preud'homme não foi o único bom jogador a chegar na época 94/95. também vieram caniggia, edílson, amaral, stanic, dimas, paulo bento. o problema é que o idiota do artur jorge decidiu dispensar isaías no fim da época (após ter sido o melhor marcador da equipa) e dispensou o vítor paneira no princípio da época - sempre sob a desculpa de que estava a fazer uma limpeza do balneário... e substituiu-os por jogadores medíocres comprados por atacado.

e claro, muitos desses bons jogadores que chegaram foram sub-aproveitados (edílson e stanic, por exemplo). e convém não esquecer que perdemos rui costa, schwarz, yuran, kulkov, rui águas após sermos campeões... mas mesmo assim acho que o plantel de 94/95 dava para ser campeão, se tivesse continuado o toni, ou se tivesse vindo um treinador mais capaz. ora vejam uma hipotética equipa num 4-4-2:

gr - preud'homme
dd - veloso
de - dimas
dc - mozer
dc - hélder (na altura até era bom)
md - stanic
me - falha do plantel
mc - paulo bento´
mc - amaral
ac - joão pinto
ac - caniggia

tirando a posição de extremo esquerdo, nada mal hein?e no banco ainda havia isaías e edílson. resumindo, era um plantel fortíssimo no ataque, bom na defesa e medíocre no meio campo, porque não havia banco (apenas nelos, tavares, rui esteves, kenedy...).

infelizmente, não me lembro do neno no benfica. aliás, não me lembro praticamente de nada do neno, a não ser pelas cadernetas da panini. só comecei a ver futebol mais a sério já ele era suplente. e tentei ouvir músicas dele no youtube, mas não encontrei. mas é um grande texto, não sei onde encontram toda essa informação, mas deu-me a oportunidade de conhecer melhor um dos míticos cromos das cadernetas da década de 90!

João S. Barreto 2 de maio de 2010 às 22:49  

Muito bom Veloso. Ainda me lembro do primeiro jogo do Preud'homme no Benfica, foi também o meu primeiro jogo no Estádio da Luz. Entrou para o lugar de Neno na segunda parte de um amigável e sofreu logo um golo. Eu, que não percebendo nada de futebol, gostava muito do Neno, achei que o Saint Michel era uma merda.

LMC 3 de maio de 2010 às 00:03  

O Edilson não fez uma má prestação no SLB, fartou-se de meter golos!

João 3 de maio de 2010 às 00:15  

Bom post, um GR querido por muitos, um clássico! Mas mandava o seu franguinho muita vez. Às vezes quando vejo o Nilson lembro-me dele, pela cor e pela longa e boa carreira no Guimarães.

A 5 dias do fim da votação do Settore, chamo a atenção para lutas renhidas: DC (Carriço vs Rolando), DE (Cesar Peixoto e MVeloso), MD (MVeloso e RMeireles) e o thriller dos Extremos (Quaresma vs Danny)! O tempo extra e o Mais futebol já andam nestas andanças também, mas muito mais tarde que este espaço de qualidade;)!

E tenho que elogiar o Porto, grande vitória em má arbitragem com erros para ambas as equipas.

Pedro Veloso 3 de maio de 2010 às 02:02  

Paulinho tens razão, obviamente fui cáustico demais com o Artur Jorge mas o que queria dizer é que acabou por ser a única decisão que se revelou indiscutivelmente boa. Caniggia e Edilson (LMC fui ver e não foram assim tantos golos, foram 7) eram sem dúvida craques, mas acabaram por só ficar uma época na equipa.

Mas tudo o que escreveste aí está correctíssimo, o problema é que por exemplo Stanic só no fim da época se lembraram que ele existia, e Nelo e Tavares jogavam mesmo muitas vezes, quase com estatuto de titulares. Não eram maus jogadores, mas obviamente não tinham a dimensão para um SLB.

João Barreto achar o Saint Michel uma merda pode ser motivo de excomunhão da nação benfiquista;)

Quanto ao clássico, parabéns ao Porto, amanhã lanço o post que já está quase feito.

João S. Barreto 3 de maio de 2010 às 12:09  

Veloso eu tinha 5 anos nesse jogo! Fiquei (nesse jogo) a achar que ele era uma merda porque entrou e levou logo um golo. Essa primeira impressao passou depressa. Claro que o Michel é dos jogadores do Benfica que mais merece o nosso respeito porque em anos muito maus foi segurando quase sozinho o SLB. E eu gostava mesmo muito dele.

Tomás Pipa 3 de maio de 2010 às 17:38  

Fabuloso!Um dos jogadores mais queridos do futebol português!Um autêntico felino dos relvados portugueses!

Deixa-me que acrescente que Neno perdeu a titularidade do Vit.Guimarães para o Pedro Espinha porque numa pré-época foi operado à boca depois de ter ficado com o maxilar preso nas redes duma baliza!

Veli, adorei teres chamado Julio Iglesias portugues ao Neno!

Neno,Bilro,Oceano..já temos três jogadores do nosso imaginário de infância!!

Qualquer dia temos aí Vitor Vieira, o globetrotter das equipas portuguesas ou Sérgio Cruz,futuro adjunto do meu Sporting!

Tomás Pipa 3 de maio de 2010 às 17:44  

A última fotografia está um espetáculo!