Um olhar sobre as qualificações

Agora que terminaram - chamemos-lhe assim - as fases regulares de qualificação na Europa e América do Sul, antes dos play-offs, deixo a minha visão sobre os vários grupos e sobre o que podem vir a fazer estas selecções no Mundial:

Europa

Grupo 1

No Grupo de Portugal já tudo se escalpelizou, incrivelmente ou talvez não a terceira melhor equipa acabou em...primeiro. De facto, longe vão os tempos da Danish Dinamite de Schmeichel e manos Laudrup e, hoje, é uma selecção perfeitamente banal - provavelmente cai na fase de grupos do Mundial, é equipa para levar 5 assim duma qualquer Costa do Marfim inspirada - que só conseguiu o apuramento directo devido às fragilidades de Suécia, sempre muito dependente do génio de Zlatan e Larsson, e sobretudo da péssima performance do nosso país. Erros tácticos e, sejamos justos, muito, muito azar marcaram a campanha que, do mal o menos, pode ainda terminar em beleza se se ultrapassar o play-off.

Se tal acontecer, e com mais tempo para os jogadores treinarem juntos, creio que podemos ambicionar, realisticamente, uma presença nos quartos-de-final do mundial (mais que isso duvido).

Grupo 2

Num grupo relativamente fraco, a Suiça realizou uma campanha regular, beneficiando da fraca oposição e da mestria de Ottmar Hitzfeld, um dos melhores técnicos do mundo, duas vezes campeão europeu - Dortmund 96/97 e Bayern 00/01 -, para assegurar o primeiro lugar do grupo. Tem um bom colectivo e jogadores de um nível médio/alto: Benaglio, Senderos, Inler, Gelson Fernandes, Barnetta, Volanthen, ou os avançados Frei, Nkufo e Derdyok. Dependendo do sorteio, até pode chegar aos oitavos.

Em segundo acabou por terminar a Grécia de Rehhaggel, que já conhecemos de outras andanças. Continua com a mesma base (Dellas, Seitaridis, o meio campo de Basinas, Katso e Karagounis) e um ataque com um Gekas em grande forma. Não foi suficiente para ultrapassar a Suiça mas continua a ser uma boa equipa - já um pouco velha, na minha opinião.

Grupo 3

Bom, isto é daqueles grupos de que eu pouco posso falar porque nada conheço, muito honestamente. A Eslováquia pela primeira vez na sua história de 16 anos chega a uma grande competição, tem meia dúzia de jogadores conhecidos (Skrtel, Marek Cech, o craque Hamsik do Nápoles, Stoch que é do Chelsea e defrontou o Sporting este ano pelo Twente), mas como equipa não sei mesmo o que valem.

O mesmo digo da Eslovénia, da qual então só conheço o Pecnik do Nacional, bom jogador mas, pelo que tenho visto, ainda algo verdinho.

Surpresa foi mesmo o terceiro lugar da Rep. Checa (cada vez mais a perder o fulgor, com o fim da sua geração dourada) e o...quinto (!!) da Polónia, no papel provavelmente as favoritas.

Grupo 4

Este era um daqueles grupos em que quase tudo estaria definido à partida. Rússia e Alemanha jogariam o primeiro lugar, Finlândia seria terceira sem ameaçar e o resto tentava atrapalhar sem sucesso.

Tal confirmou-se mesmo, e a Alemanha acabou por garantir o primeiro lugar com a vitória em Moscovo no passado sábado. Ambas excelentes selecções, podem fazer bons Mundiais:

- a Mannschaft de Joachim Low é sempre uma equipa forte: em Moscovo do meio campo para a frente jogaram com Ballack, Rolfes, Schweinsteiger, Podolski, Ozil e Klose, o que é sem dúvida de respeito. Tenho dúvidas sobre a solidez da defesa. Não creio que seja verdadeiramente candidata a ganhar, mas quem tem três títulos mundiais e quatro finais perdidas, mais a sua inigualável força mental, é candidato por inerência.

- a Rússia é uma incógnita. Excelentes jogadores, talvez o melhor técnico do mundo, ainda dá a ideia de baquear nos momentos decisivos (a força mental está nos antípodas da alemã) e cometer hara-kiri de forma estúpida frequentemente, mas com Hiddink isso acontece menos. Se passar o play-off irão em princípio longe - pelo menos, são garantia de bom futebol.

Grupo 5

Da Espanha não há muito a dizer. 10 jogos, 10 vitórias, um massacre. Está com uma base de recrutamento riquíssima (de momento, só o Brasil se compara em número de soluções de alto nível), sobretudo no meio campo - quase podia formar dois onzes. Na defesa está também muito mais forte com a solidificação de Piqué como jogador de top (sofreram apenas 5 golos, dois dos quais nos descontos do último jogo). Não tem pontos fracos e a única sombra negra ultimamente foi de facto a derrota na Taça das Confederações. Há, claro, todo o historial de desastres espanhóis em Mundiais depois de grandes qualificações, mas agora será concerteza diferente. Além de que chegam como campeões europeus.

O segundo foi a Bósnia, superiorizando-se à decadente Turquia; não conheço muito da Bósnia como um todo, mas conheço bem o ataque, de facto muito poderoso: Ibisevic do Hoffenheim, o fantástico Dzeko do Wolfsburgo, uma máquina goleadora, e o Misimovic, que é o organizador de jogo da selecção e do Wolfsburgo também (e também marca alguns golos). Ainda ontem os vi criar inúmeros problemas à Espanha, onde só São Casillas permitiu sofrer apenas dois golos. A aposta num velho lobo, o técnico croata Blazevic (Croácia no Euro-96 e Mundial-98, lembram-se?), revelou-se excelente.

Grupo 6

Inglaterra, Ucrânia e Croácia. Três galos para dois poleiros, no final a Inglaterra passeou e a Ucrânia vai ao play-off.

Fortíssima a selecção de Capello, perdeu apenas um jogo para cumprir calendário mas ganhou 9. Com uma defesa muito sólida - até à direita surge agora um super Glen Johnson - e um meio campo em que finalmente Gerrard e Lampard combinam bem, bem secundados por Garreth Barry, a equipa ganhou uma nova dimensão. Na frente é, no entanto, uma espécie de Sporting: um jogador indiscutível (Rooney) e o resto roda à procura do parceiro ideal: Heskey, Crouch, Carlton Cole, Agbonlahor, Defoe...O melhor é o último, mas fica-se com um ataque baixo se jogar ele e Rooney. Depois, há a eterna incógnita guarda-redes, embora Robert Green penso que tenha estado bem.

No cômputo geral, é candidata a ganhar.

A Ucrânia nunca vi jogar na qualificação, mas deve ser forte fisicamente com boa técnica, no estilo do Dinamo Kiev. É um país que, como a Rússia, tem beneficiado muito da melhoria do nível competitivo da liga doméstica. Melhores jogadores: Chigrinskiy do Barça, o Sheva, o Tymoshchuk do Bayern, Milevsky e Voronin que agora voltou ao Liverpool. Também há um Nazarenko que tem marcado vários golos mas se joga há 10 anos no Dnipro não deve ser muito bom.

Grupo 7 (já estou a suar...nesta altura estou a pensar que gostava de viver nos tempos da URSS e Jugoslávia, havia menos dois ou três grupos)

Num grupo onde o nosso amigo Couceiro esteve bem, com um quarto lugar à frente de uma péssima Roménia - onde Mutu parece estar com os dias contados -, Sérvia e França destacaram-se claramente (menos a França, que esteve bastante irregular).

Muito forte a campanha sérvia, que apesar de ter bons jogadores (Vidic, Kolarov, Stankovic, Kuzmanovic, Pantelic ou Zigic, entre outros) vale mais pelo colectivo. Mas vi-os jogar pouco para poder formar uma opinião.

Quanto à França, com aqueles jogadores esperar-se-ia muito mais. Continuo a achar que têm equipa para ser campeã mundial (faltará um grande central para juntar a Gallas), mas com Domenech valem muito menos do que a soma das partes, chega a ser confrangedor.

Grupo 8

A Itália era claramente, em teoria, a mais forte, e confirmou-o. Sem ser espectacular - embora com momentos muito bons -, mostrou argumentos, mas a veterania coloca-me algumas dúvidas. É quase a mesma base do Mundial 2006 que venceram (além do mesmo treinador). E acho que falta a classe extra de Totti ou Del Piero no ataque. Perdem com Brasil, Espanha ou Inglaterra. E depois lembro-me que é a matreira Itália e tenho vontade de apagar a frase anterior, mas vou arriscar manter.

Segundo lugar foi para um...italiano. O velho Trap e a sua Irlanda. Com uma defesa segura (Shay Given, Finnan, O'Shea, Dunne), e bons jogadores no meio campo e ataque (lee carsley, liam miller, o magnífico Stephen ireland, Kilbane, Duff, Mcgeady do Celtic, que é dos jogadores mais rápidos do momento, Robbie Keane). Mas valerão sobretudo pelo colectivo, ainda por cima sendo o treinador o Trap. Nunca os vi jogar na qualificação, nem sei como é que agora jogam, se à inglesa ou à italiana.

Grupo 9

Um grupo tão mau em que o primeiro ganha os jogos todos (Holanda) e o segundo (Noruega) nem ao playoff vai porque é...o pior segundo. Ridículo.

Isto nem deu para testar a Holanda, mas ganhar 8 em 8 não é para todos e a laranja mecânica mais uma vez parte com aspirações. Do meio-campo para a frente é um luxo (van Persie, van Bommel, Sneijder, Robben, Kuyt, KJHuntelaar), na defesa acho que falta alguma qualidade.

América do Sul



Acabou por não haver nenhum escândalo, com a Argentina a safar-se na batalha de Montevideu, um jogo truculento, com - desculpem a expressão - pau de criar bicho e uma rivalidade tremenda (futebol é que zero). Bolatti acabou por ser um herói improvável. A festa no fim do jogo foi incrível, os jogadores - e Maradona - a festejarem como um vulgar adepto.

Mas de facto muita coisa vai mal na selecção argentina. Maradona parece não ter condições, muda demasiado de convocatória para convocatória, o futebol é fraquíssimo...Por outro lado, apesar de ter jogadores para ser candidato, eles não rendem (Messi está péssimo!). Enfim, uma confusão e uma montanha russa. Com Maradona tinha que ser assim.

O Brasil acabou por ganhar o grupo. Não foi brilhante mas a qualidade está lá toda. E Dunga ganhou algum crédito, mais a mais com a vitória nas Confederações. Todos os sectores são fortíssimos, até na baliza - historicamente uma pecha - agora têm um dos melhores do mundo. Só não gosto muito é de ver, numa selecção como o Brasil, apenas três homens claramente de características ofensivas: quase sempre, Robinho, Kaká e Luis Fabiano. Pelo menos mais um, não? Mas são sinais dos tempos, o futebol não está para lirismos. É, com Espanha, o grande candidato á vitória.

De resto temos o Paraguai e o Chile, que conheço mal enquanto selecções. Têm ambas alguns bons jogadores - por exemplo Humberto Suazo do Chile - e tentarão passar aos oitavos mas não devem fazer grandes brilharetes. Tal como o Uruguai, se passar o play-off.

Uma última nota para uma curiosidade. Dos, para mim, quatro melhores técnicos do mundo, três vão lá estar - Lippi, Capello e Hiddink -, só falta o Zé!

4 Passes de rotura:

Tomás Pipa 16 de outubro de 2009 às 12:25  

Veloso, está fantástico! Para mim mereces dar um salto para um jornal-desportivo.

Não fazia ideia que o Hitzfeldt estava na Suiça, são capazes de ser perigosos.

Adorei o teu comentário sobre haver mais grupos actualmente do que quando havia com a URSS e Jugoslávia unificadas. E o da Itália..lol

Eu aposto que a Grécia nem passa os playoffs, são mt mt velhos já.

Só um aparte, esqueceste-te de falar que a solidez defensiva da Sérvia começa no Guarda Redes e que o Chile tem a sorte de ter um mágico como não costuma ter (lol)

De resto, tens sempre a mesma visão que eu sobre todo o futebol internacional. Só não temos também no futebol nacional porque temos sangue de cor difrente.

O Finnan acho que só jogou 2 jogos.

Também não tinha reparado nessa particularidade do grupo 10. O primeiro lugar é a melhor da qualificação e o 2º já é o pior 2º, realmente é ridiculo.
Parabéns,um abraço!

António Pista 16 de outubro de 2009 às 15:23  

Nenhuma surpresa a meu ver...

França e Portugal vivem às custas de gerações de ouro que tiveram recentemente...

http://aguia-de-ouro.blogspot.com/

João 16 de outubro de 2009 às 20:40  

Bravo:) grand post! Permite-me apenas torcer o nariz a este uruguai que está uma lástima.Claro que têm potencial para melhorar muito face ao que estão a jogar mas desapontaram-me imenso no jogo de 4ªF. A sorte é que têm um playoff fácil. Vamos ver se temos uma vaquinha no sorteio!

Pedro Veloso 18 de outubro de 2009 às 12:13  

Obrigado! Mas de facto são grupos que nunca mais acabam, agora até lá metem o Cazaquistão que de Europeu tem muito pouco, com um bocado de boa vontade um dia ainda vamos lá ver a China nas qualificações europeias.